Capítulo III - Pais e Filhos

Mesmo se eu encerrar um capítulo em um dia e iniciar outro no dia seguinte, posso acabar discordando de tudo que já foi dito. Afinal, são pensamentos. Escrevo conforme penso, o que não necessariamente significa que essa é minha opinião final, ou que o assunto se encerrou. Depois que saio daqui, continuo pensando. Ideias continuam em desenvolvimento, opiniões continuam sendo elaboradas, temas continuam sendo discutidos. Portanto, justifica-se que eu não concorde com o que já pensei em outras ocasiões, ainda que sejam sequenciais. Nesse caso, em específico, não tenho mais tanta certeza se o melhor, pra mim, é realizar essas transcrições todo dia, em sequência. Ironicamente, encerrei o último capítulo ontem e já estou de volta.

Com isso em mente, não sei se eu realmente deveria começar esse capítulo hoje. Não por ser logo ao dia seguinte do último, mas porque não sinto como se tivesse algo de urgência para ser transcrito hoje, que não possa esperar por um dia melhor, em que eu esteja mais motivado.
Claro, existem coisas que enchem minha cabeça de pensamentos, preocupações, dúvidas, etc. Muitas bem sérias, aliás. Só que, a sensação que tenho, nesse exato momento, é que existem dias que preciso colocar tudo pra fora, urgentemente, que não é o caso de hoje. Começar a falar sobre algum desses tópicos, agora, é como se eu tivesse desperdiçando uma oportunidade futura de me aliviar. Como se eu tivesse criando razões pra me arrepender depois.

Bom, alguns diriam que eu estaria me acovardando, me escondendo. Deixando de agir por ter medo de se sentir culpado depois. E eu não poderia dizer que estão errados. Na verdade, até sei como alguns, em específico, me diriam isso ("Frouxo", por exemplo).
Aliás, isso é um dos (milhares de) problemas que tenho: medo de arrependimento. Se algo não me dá segurança, se não me passa certeza, dificilmente me envolverei com isso. Antigamente, pelo menos, era assim. Hoje em dia, consigo arriscar mais, ou talvez só não me preocupe tanto com as consequências. Acho que a segunda opção...

Perceba, isso vem de longa data. Sempre fui mais cauteloso, ainda que muitos me achassem louco - e continuam achando - por causa de atitudes que eu tomo. Mas, analisando friamente cada ato meu, fica visível que não fiz muito que ultrapassasse uma determinada zona de segurança. Nunca fui de me arriscar muito, justamente por ter medo de falhar e me arrepender.
Contudo, se analisar os anos recentes, mais especificamente quando entrei na faculdade, esse medo se torna, de certa forma, justificável. Afinal, foi uma sucessão de atitudes que eu tive - e suas falhas consequentes - que me levaram a depressão. Como não ter medo de falhar, se, praticamente, tudo que arrisquei nesses anos, principalmente ano passado, deu errado?
Por mais errado que seja esse medo - e, hoje, eu tenho mais consciência disso do que tinha antes - não tinha como, simplesmente, me dizer que era algo bobo e que eu devia me arriscar mais, ter mais atitude. Não no ano passado. Não no estado que eu estava.

O foco tá voltando pra depressão, de novo.
Calma.
Vamos concentrar.

Beleza, já é um novo dia. Não posso garantir que minha mente esteja bem, mas consigo voltar a atenção ao tópico inicial. E não vamos tentar justificar minha insegurança. Isso é um mal que precisa ser combatido, não incentivado. Ao invés, quero tentar entender o que me impede de superar esse medo. Talvez, encontrar a raiz disso tudo.

Vejamos, dificilmente se trata de algo que se adquire de uma hora pra outra. Se não provém de um trauma, acredito que a insegurança seja algo semeado na pessoa. Algo que cresce e se desenvolve ao longo dos anos, tal como extroversão, paciência, raciocínio, e tantos outros traços de personalidade. Pode se modificar, pode evoluir, pode ser suprimida ou mesmo expandir. Mas, muito provavelmente, é algo que se iniciou na infância, nos primeiros contatos com o mundo.
Seguindo essa linha de raciocínio, preciso analisar meus primeiros anos de vida pra tentar achar pontos que possam ter contribuído com o desenvolvimento desse sentimento. De imediato, o que me vem a mente é o fato de eu ser o filho caçula. Sempre acreditei que crianças são criadas de formas diferentes, dentro de uma mesma família, de acordo com o número de filhos gerados.
Permita-me explicar: o primogênito seria o mais dedicado, responsável, maduro. O segundo na linhagem será mais rebelde, atrevido, impulsivo. Um possível terceiro será mais protegido, paciente, ingênuo. Salvo exceções, uma correção aqui e ali, essa é minha versão da realidade. Essas características não são, necessariamente, boas ou ruins, depende do comportamento do indivíduo. Porém, todas elas são geradas conforme a criação que os pais dão à criança. Desta forma, o primeiro filho terá atenção total dos pais, mas contará com a inexperiência deles. Pra um irmão mais novo, os pais podem sentir que precisam deixar o filho mais "livre", com medo de terem sido super protetores ou muito exigentes com o anterior. Caso a família aumente uma terceira vez, haverá uma certeza - discutível, no mínimo - sobre tudo que é certo e errado na criação de uma criança, afinal, já são pais experientes, passaram por isso outras vezes. Resultado: um trabalhador de escritório, um mochileiro e um colecionador de jogos. Novamente, não estou dizendo que é algo bom ou ruim.

Ok, mais uma pausa pra recuperar o fôlego, antes que eu divague novamente.

Acho que fica evidente que sou o mais novo de três irmãos. Assim, segundo minha teoria, a criação dos meus pais pode ter contribuído pro desenvolvimento da minha insegurança, uma vez que eu tenha sido mais "protegido dos perigos do mundo" do que meus irmãos, em tese. Em outras palavras, meus pais teriam me mantido mais perto deles, para que eu não precisasse me arriscar demais, me mantendo seguro. E esse seria, exatamente, o problema desse tipo de criação. Basicamente, a partir do nascimento do terceiro filho, o mais velho passa a ser adulto, o segundo estará estagnado na adolescência, e o caçula será a eterna criança da família. Essa será sempre a visão dos pais, independente do crescimento dos seus rebentos. Essa é a visão que faz com que os filhos mais novos, como eu, não tenham as experiências que ajudaram seus irmãos mais velhos a crescer e, portanto, são ingênuos em relação ao mundo. Dessa forma, haverá um despreparo na hora de encarar suas responsabilidades, pela falta de experiência com desafios, e os projetos serão suscetíveis a falhas, que terão maior impacto na auto estima da pessoa por ter crescido longe dos "perigos do mundo". Na real, eu nem devia colocar isso entre aspas, mas vale a ênfase. O ponto é: toda essa "proteção" (agora com aspas merecidas) influencia diretamente na criança, deixando-a insegura, com medo de arriscar mais, porque não sabe o que fazer se falhar.

Se essa teoria não fosse minha, talvez eu tivesse me convencido por essas palavras. Fazem muito sentido, pra falar a verdade. Mas, aí que tá.
É isso mesmo que acontece?
É assim que eu fui criado?

É essa a verdade?

Sinceramente, acho que não. Não completamente.

Tá, eu sei. Como posso não acreditar na teoria que eu mesmo criei? Sendo que acabei de dizer que faz sentido tudo isso. É muita contradição de minha parte, realmente. Mas, como eu disse: se não fosse minha própria teoria, eu teria acreditado. Como eu mesmo criei, sei quais são suas falhas. Não que ela não condiz com a realidade, não é isso. O que me ajudou a montar essa tese foi ter observado outras famílias que conheço e tem essa estrutura de filhos. É uma teoria que se encaixa bem no que vejo dos outros, logo, está de acordo com a realidade. Só não com a minha.
Sim, existem alguns pontos em acordo entre essa teoria e a minha família. Três filhos, o mais velho já casado, o do meio vive viajando, e o caçula passando o dia de pijama. Não posso dizer exatamente como foi a criação dos meus irmãos, pelo simples motivo de que eu não existia nessa época, mas posso analisar como vejo a minha criação e, de fato, por muitas vezes me senti como se ainda fosse a criança da família. Melhor dizendo, me senti como se me tratassem como uma criança. Não ser levado a sério, ser menosprezado de certo modo, não participar de decisões que envolvem a todos de casa. Hoje em dia, posso dizer que contribuo com isso, já que me adaptei a ficar isolado. Gosto de ficar quieto, no meu canto, sem interferir e ser interferido.
Agora, dizer que isso me fez ser inseguro talvez seja exagero. A visão que tenho do caçula, nessa teoria, é de alguém que foi criado no colo, pais corujas, faziam tudo pelo filho quando era criança, nunca deixaram sair de casa sozinho, nem mesmo andar descalço. E não foi assim comigo. Pelo menos, não como eu lembro. Tive minhas aventuras de criança, algumas que eles não ficaram sabendo (eu acho). Tive minha liberdade na adolescência, em que fiz muita merda, óbvio. Tive - e ainda tenho - participação em decisões de casa, ainda que mínimas.
Resumindo: essa teoria, ainda que lógica, não se aplica ao meu caso. Também, por conta disso, não posso dizer que a fonte da minha insegurança vem da criação que meus pais me deram. Pode ter contribuído no desenvolvimento, mas não foi o que deu origem.

Pra quem não tinha certeza do que falar, nem se deveria, me surpreende quanta coisa consegui pensar. O maior capítulo desse ato, até agora, e ainda não terminou. Mas vou encerrar essa primeira parte por aqui, por alguns motivos. O tema é a insegurança, o medo de falhar e, por isso, não arriscar. Preciso de um capítulo a parte só pra falar da minha família, logo, não posso me estender aqui. Além do mais, o objetivo é encontrar os obstáculos que me impedem de superar esse medo. Achar a origem, pode levar mais tempo do que o esperado, já que tenho que analisar minha vida inteira, sem contar que, possivelmente, não vai me ajudar a superar essa falha. Para todos esses pontos, o melhor a se fazer é deixar pro próximo capítulo.



Esses dias eu tive um "sonho" bem familiar. Fiquei pensando nele a semana inteira. E, mesmo assim, não sei o que dizer sobre.

Mas eu preciso.

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