Capítulo I - O Som do Silêncio

Nesses últimos anos eu desenvolvi o hábito de mexer no anel em meu dedo, girando com o dedão, tão frequente quanto quem coça a barba para pensar - algo que também faço - ou fica alisando o cabelo. Hoje, não uso mais tal anel, está guardado em um pequeno cômodo em meu quarto. Mesmo assim, continuo com esse hábito que, agora, me deixa pensativo. Não digo pensamentos lúcidos, algo que dê pra transcrever aqui, mas um aglomerado de coisas que se amontoam em minha cabeça, sem fazer sentido nenhum e, ao mesmo tempo, com total lógica. Essa sensação me dá... saudades... Não sei se a palavra adequada seria essa. É um sentimento de que falta algo.
Claro que não me refiro ao anel, não é isso. Nada mais é que um pedaço de latão trabalhado, um objeto. Não, sinto falta de algo mais, muito maior que isso. Algo que, por muito tempo, tive medo de perder. Que, certamente, me arrependeria amargamente se perdesse.

E aqui estamos. De fato, eu perdi isso. De fato, me arrependo. Muito mais do que eu imaginava.

Mas, por que deixei isso se perder?
As respostas genéricas seriam que eu fui descuidado, não tive responsabilidade, não dei o devido valor. E não há outra opção se não admitir que isso tudo é verdade. De diversas formas.
Durante todo o tempo que isso esteve presente em minha vida, confesso ter feito muita coisa errada. De fato, muitas delas eu assumo a culpa. Sei que errei, mesmo que sem intenção alguma. Porém, muito disso poderia ser evitável se eu tivesse sido mais cuidadoso, mais responsável. Se eu desse o valor devido. Aos outros e a mim mesmo.

Uma das teorias que montei pra explicar toda essa situação que me encontro, é de que tentei encarar um mundo imensamente perigoso, sem estar preparado. Todo planejamento que eu fiz, todas as ideias que tive, todas as metas que tracei. Tudo parece ter dado errado. Passos importantes na minha vida não foram planejados adequadamente, e não havia plano B. Isso ia desde fazer uma prova até construir uma carreira em uma grande empresa. E, por não haver um plano de apoio, essas etapas foram feitas - ao menos, as que consegui concluir - quase que inteiramente de improviso.
Não estive preparado pra disciplinas que, ainda hoje, me impedem de me graduar na faculdade. Não estive preparado para trabalhar sem suporte, precisando entregar bons resultados. Não estive preparado para encarar meus medos, por menores que fossem. Não estive preparado para admitir minhas fraquezas. Não estive preparado para fracassar mais vezes. Não estive preparado para repetir os fracassos. Não estive preparado para infortúnios que podem ocorrer com qualquer um.

Não estive preparado para a vida.

E essa sucessão de fracassos fez com que eu chegasse a um ponto crítico, ano passado. Por muito pouco, não entrei em depressão.
E, por depressão, me refiro a doença, de fato. O pior estado mental que alguém pode estar, em minha opinião. E não digo isso sem base, de forma alguma. Já presenciei diversos casos de vidas destruídas por conta dessa doença. Já perdi amigos e já vi muitos mais se afundarem por conta disso. Talvez seja a doença que mais me causa comoção, a que mais me deixa preocupado, quando conheço alguém que tenha ou que passou por isso. Isso sem, graças a Deus, nunca ter sentido na pele. Ano passado, no entanto, recebi uma amostra grátis.
Num mesmo mês, minha família teve que lidar com acidente de carro, tumor craniano, coma e morte. Não da mesma pessoa, mas num mesmo período. Tudo isso num único mês. Tudo isso em Fevereiro...
Pra quem já lutava dia após dia pra se manter são, o ano começou com um cruzado de direita no maxilar. Mesmo assim, não podemos ficar caídos. É preciso levantar e lutar. Mesmo sendo o mais novo, alguém tinha que se manter firme em casa. Alguém tinha que, ao menos, tentar manter o barco na rota. Afinal, se essa foi a vez que mais tivemos tantas tribulações, ao menos não tem mais como afundar. Será um ano difícil, mas será necessário pra nos reerguermos e - "Ah, a propósito, você tá despedido." - ...

Eu estava refazendo o último ano da faculdade, trabalhando em uma empresa que sempre tive interesse, planejando (novamente) meu futuro.
Esse ano começou e estou refazendo (novamente) o último ano da faculdade. Porém, sem emprego e pensando um dia por vez.
Mas, pontos positivos: o tumor foi retirado e meu TCC foi aprovado.

A intenção não é justificar meu estado, minhas falhas. Pelo contrário, assumo a responsabilidade de não estar pronto pra encarar os reveses que a vida pode trazer, mesmo sabendo que era difícil estar pronto para situações como a que me ocorreu ano passado.
Isso é mais um lembrete do que eu passei, não só no último ano, até chegar aonde estou hoje. Até chegar nesse exato momento em que digito enquanto meu coração dói.
Existem mais coisas que estão por vir, ou ao menos podem vir, e que eu sei que ainda não estou preparado. Talvez, lembrar de tudo isso, repassar os acontecimentos, me ajude a me preparar. Pelo menos, me preparar pra amanhã.

Recentemente, tive um dia muito bom. Ainda que temerário, fiquei feliz ao chegar em casa. Talvez eu escreva sobre isso, um dia.
Por hora, só queria desabafar um pouco sobre a dor que meu coração está sentindo. Gostaria muito que fosse alarme falso, mas a dor é inevitável.




Não era o capítulo que eu queria escrever, sinto muito.

Comentários